segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Tecto do mendigo, Zeca Afonso

Zeca Afonso foi frequentador da República Boa-Bay-Ela. No tempo dos fados de Coimbra, bem antes de cantar a revolução.

A história desta casa cruza-se com a minha vida de estudante (habitei-a 3 anos). E vai-se cruzando, de tempos a tempos, em visitas.

O quarto do Zeca, onde ele pôs os versos que deram origem ao poema, faz-me sempre viajar até àquele tempo. Seguramente que o sinto como amigo, o imagino a jantar lá em casa, a escrever o poema na parede a carvão...

Ali, em grande cavaqueira com o seu amigo fadista, companheiro e habitante do quarto naquela altura, cantando as doces serenatas de Coimbra. Num espaço escuro, sem grande brilho. Mas que tem hoje um dos maiores tesouros históricos daquela cidade.

João Barros Madeira, antigo morador de 1957 a 62, foi, com José Afonso, um dos animadores das quentes noites de fado. E que bem que o João canta. Ainda hoje.

Está ali, na parede da casa. Fiz daquele quarto meu, quase cinquenta anos depois, e muitas vezes li este pedaço. Imaginei a cama com as capas negras estendidas. O Zeca a pedir uma camisa ao João. A comer uma bucha e a beber um copo de vinho. Ensaiando mais um fado...

Deixo a versão final, a foto do original e faço o convite: vão ver com os próprios olhos.


O teto do mendigo (*)

Num lugar ermo
Só no meu abrigo
Aí terei meu tecto
E meu postigo
De longe em longe
A luz das madrugadas
Duas camisas
Quem nao tem lavadas?
Aí serei meu dono
E companheiro
Dizei amigos
Se nao sou solteiro
E se eu morrer
O tecto que nao caia
Porque um mendigo
Dorme de atalaia
De quando em quando
Chamo o perdigueiro

Dizei amigos
Quem chega primeiro
Aí terei meu poiso
A luz da veia
Aí verei o sol
Duma janela
Tenho uma trompa
Tenho uma cascata
Tenho uma estrela
No bairro da lata
Olha o mar alto
Olha a maresia
Olha a montanha
Vem rompendo o dia

(* na versão original escrita, a palavra tecto aparece sem o 'c')

1 comentário:

  1. Tomas Tranströmer
    Homenagem do Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa,
    da Faculdade de Letras da Universidade do Porto
    Portugal
    http://youtu.be/3AS6QX2gfY0

    Tomas Tranströmer
    Homenagem do Museu Nacional da Poesia e Tropofonia
    Brasil
    http://youtu.be/5knl_5EYrpM

    TOMÁS TRANSTRÖMER OU A FASCINAÇÃO DA INANIDADE

    Luis Costa Lima

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    Tomas Tranströmer
    POESIA
    Antologia Mínima
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